Possibilidade de terceirização do SESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança em Medicina do Trabalho
Publicado em 28/07/2023 12:16 por Marcelo MInhaqui
A possibilidade de terceirização do SESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança em Medicina do Trabalho - pelas empresas é tema que sempre suscita questionamentos. Dentre as principais preocupações estão as implicações, riscos, obrigações e possíveis penalidades que uma empresa pode sofrer ao terceirizar este serviço especializado. Neste artigo iremos discutir apenas a possibilidade de terceirização do SESMT à luz dos precedentes jurisprudenciais dos Tribunais Regionais do Trabalho e da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal com repercussão geral, através do Tema 725.
A NR-04, antes das alterações promovidas pela Portaria n º 2.318 de 03 de agosto de 2022, em seu item 4.4.2, tinha a seguinte redação: “os profissionais integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho deverão ser empregados da empresa”. Já a Lei nº 13.467/2017 modificou a Lei nº 6.019/74, inserindo o art. 4º - A, que tem a seguinte redação: “Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”. Ao se debruçar sobre a possibilidade e/ou legalidade de terceirização da atividade fim, em 30/08/2018, o STF, por maioria, fixou a seguinte tese: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Em 08/07/2022, o STF deu parcial provimento aos embargos, para modular os efeitos do julgamento, e assentar a aplicabilidade dos efeitos da tese jurídica apenas aos processos que ainda estavam em curso na data da conclusão do julgado, restando obstado o ajuizamento de ações rescisórias contra decisões transitadas em julgado antes da mencionada data, que tenham a Súmula 331 do TST por fundamento, tendo sido mantidos todos os demais termos do acórdão. Assim, diante da modificação trazida pela Lei nº 13.467/2017, bem como, em virtude da decisão do RE 958252 e ADPF 324 pelo STF, que permitiu a terceirização de qualquer atividade, inclusive a atividade fim, as empresas passaram a transferir a execução de determinadas atividades, inclusive aquelas relacionadas aos Serviços Especializados em Engenharia e Segurança e em Medicina do Trabalho SESMT.
Contudo, o MTP (Ministério do Trabalho e Previdência) continuou a lavrar autos de infração em face das empresas, sob o fundamento de que os profissionais integrantes dos SESMT deveriam ser empregados da empresa, nos termos do que dispunha o item 4.4.2 da NR-04, sem a alteração promovida ainda pela Portaria nº 2.318 de 03 de agosto de 2022, veja-se: 125000085181 - MANDADO DE SEGURANÇA - AUTO DE INFRAÇÃO - SESMT - NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DIRETA - ITEM 4.4.2 DA NR - 4- POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO - ART. 4º-A, "CAPUT", DA LEI Nº 6.019/74 - NORMA DE HIERARQUIA SUPERIOR E MAIS RECENTE - ANULAÇÃO DA AUTUAÇÃO - SEGURANÇA CONCEDIDA - O auto de infração de nº 21.627.401-0 fora lavrado em 3-12-2018 diante da constatação da conduta atribuída à empresa de "deixar de manter serviço especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho" (Id 3274cad- Pág. 2).
A legislação prevê apenas que as empresas "estarão obrigadas a manter serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho", de acordo com as normas a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho (art. 162 da CLT), o qual, por sua vez, no item 4.4.2 da NR-4, no exercício de seu poder regulamentar, determina, desde 27/10/1983, que "os profissionais integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho deverão ser empregados da empresa". Todavia, a partir de 11-11-2017, quando teve início a vigência da Lei nº 13.467/2017, a qual inseriu o art. 4º-A, "caput", na Lei nº 6.019/1974 , tornou-se possível a transferência, por parte de uma determinada empresa, "da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução".
Entende-se, pois, que a previsão contida no item 4.4.2 da NR-4, embora não tenha sido expressamente revogada, não mais subsiste por contrariar diretamente o mencionado dispositivo legal e as decisões do STF na ADPF 324 e no RE 958252. Anota-se que o critério da especialidade, utilizado para a solução de antinomias, segundo o qual uma lei geral não revoga nem modifica uma lei especial e vice - Versa (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942 ), somente se aplica a normas que possuam a mesma hierarquia.
Assim, como a autuação impugnada fora lavrada em 3-12-2018, isto é, quando já estava em vigor o mencionado dispositivo e depois de o Supremo Tribunal Federal haver proferido as referidas decisões, com efeitos Vinculantes, merece ser concedida a segurança requerida, anulando - Se o auto de infração de nº 21.627.401-0. (TRT-14ª R. - RO-MS 0000131-87.2019.5.14.0003 - 2ª T. - Rel. Des. Ilson Alves Pequeno Junior - DJe 17.09.2019 - p. 634) A Justiça do Trabalho, no entanto, firmou posicionamento no sentido de que passou a ser possível a transferência por parte das empresas de quaisquer de suas atividades, não podendo prevalecer, portanto, a norma contida no item 4.4.2 da NR-04 no MTP, pois, embora não tenha sido expressamente revogada, contrariava diretamente as decisões do STF, ocasião em que determinou a anulação de eventuais autos de infração lavrados sob o fundamento de descumprimento do item 4.4.2 do MTP.
Esse entendimento passou a valer, inclusive, para fins de contratação de médicos terceirizados para realização de exames ocupacionais de saúde, a fim de respeitar a quantidade mínima de membros do SESMT, veja-se: 132000068738 - CONCURSO PÚBLICO - EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO - TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - NÃO OCORRÊNCIA - Comprovado que a entidade da Administração Pública Indireta respeita a quantidade mínima de membros do Serviço Especializado em Engenharia e Segurança do Trabalho - SESMT, prevista no anexo II da Norma Regulamentadora nº 4 do Ministério do Trabalho e Emprego, não há que se falar em terceirização ilícita na contratação de médicos terceirizados para realização de exames ocupacionais de saúde. (TRT-21ª R. - RO 0001096-69.2016.5.21.0005 - 1ª T. - Relª Joseane Dantas dos Santos - DJe 03.05.2017 - p. 3509).
Assim, mesmo diante da redação antiga da NR-04 do MTP, já havia um posicionamento firmado na jurisprudência, de que não haveria ilegalidade na contratação e/ou terceirização do Serviço Especializado em Engenharia e Segurança do Trabalho – SESMT, não podendo mais subsistir o item 4.4.2 da NR-04 do MTP. Em 03/08/2022, foi editada a Portaria nº 2.318, que alterou o item 4.4.2 da NR-04 do MTP, passando à seguinte redação: “A organização deve constituir SESMT individual quando possuir estabelecimento enquadrado no anexo II desta NR”. Assim, deixou de existir a obrigatoriedade legal da contratação pela empresa de profissionais especializados em Engenharia e Medicina do Trabalho. Entretanto, o Ministério Público do Trabalho – MPT, através da Nota Técnica Conjunta nº 001/2022 – CODEMAT/CONAP, que entrou em vigor em 12/11/2022, expediu recomendações a orientar a atuação dos seus membros, “na defesa da regular constituição e efetiva cobertura dos serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) como instrumento de redução dos riscos inerentes ao trabalho” em virtude do novel texto da NR-04.
Concluiu que não haveria como se sustentar, em uma interpretação sistemática, que a mera supressão de dispositivo normativo, que previa a contratação direta dos profissionais do SESMT pelas empresas, possa ser interpretada como salvo conduto para a terceirização, por ser norma que trata sobre saúde e segurança do trabalho. Apesar da referida Nota Técnica, como visto acima, há todo um arcabouço jurisprudencial e normativo que sustenta a possibilidade de terceirização do SESMT, qual seja: a decisão proferida no RE 958252 e ADPF 324 pelo STF; as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho; e ainda, a Portaria nº 2.318 de 03 de agosto de 2022, que alterou o item 4.4.2 da NR-4.
No entanto, especialmente a fim de evitar a lavratura de autos de infração e/ou abertura de inquéritos civis, algumas condutas devem ser adotadas, tais como:
1) atendimento do número mínimo de profissionais;
2) qualificação exigida para os profissionais (Item 4.3.3 – NR-04), com registro competente nos órgãos para o exercício de suas funções;
3) obediência à jornada de trabalho do técnico de segurança, auxiliar técnico de enfermagem, engenheiro de segurança, médico e enfermeiro do trabalho (item 4.3.5 – NR-04) colocados à disposição da empresa através de empresa terceirizada;
4) Dimensionamento do SESMT vinculado ao número de empregados da organização e ao maior grau de risco entre a atividade econômica principal e atividade econômica preponderante no estabelecimento (Item 4.5.1 – NR04).
Caso as diretrizes acima elencadas não sejam observadas, ainda que haja a possibilidade de terceirização do SESMT, há a possibilidade de lavratura de autos de infração e abertura de inquéritos civis por parte do MTP, bem como, do ajuizamento de ações civis públicas, visando o cumprimento destas diretrizes.